sábado, agosto 09, 2008
NASCIMENTO
Nascem os homens como deuses pobres
Nus e de um ventre que desesperou
De os guardar
Sagrados e secretos no seu lago.
Nascem disformes, sem nenhum afago
Da raiva desabrida que os expulsa
E das mãos aterradas que os recebem.
Bebem
O ar do mundo aos gritos
Olham sem ver, e são
Surdos e transitórios mitos
Da nossa devoção
Miguel Torga
domingo, março 09, 2008
Parece-me que se está a gerar um clima de guerra entre fumadores e não fumadores que seria divertido se se passasse num país evoluído, irritante se ocorresse entre americanos, perigoso entre nós.
A história é esta:
Um amigo enviou-me o endereço de um site de reclamações. Curioso, fui ver. Benfiquista assumido (mas complacente), espantei-me perante uma das reclamações que transcrevo:
A história é esta:
Um amigo enviou-me o endereço de um site de reclamações. Curioso, fui ver. Benfiquista assumido (mas complacente), espantei-me perante uma das reclamações que transcrevo:
"Nome produto / empresa / serviço ou website
Sport Lisboa e Benfica
Título da reclamação :
Charutos e cartões de sócio
Reclamação:
Por o espaço ser próprio para reclamar, quero aqui deixar o meu desagrado por duas situações distintas: Tenho lugar cativo no estádio da luz, juntamente com o meu irmão e o meu sobrinho e infelizmente temos de levar com o fumo do tabaco de dezenas de individuos à nossa volta, e especialmente com o fumo do charuto de um indivíduo que demora exactamente 45 minutos (a 1ª parte dos jogos) a fumá-lo. Isto em TODOS os jogos. É que o estádio é ao ar livre mas o fumo vem para cima de nós à mesma. Ora apesar de não ser obrigado a ir lá, acho vergonhoso, indecente, para não dizer nojento e criminoso, o facto de crianças e não fumadores"
Para além da singularidade do preenchimento dos itens, fui atraído pelos comentários (transcrevo):
"Comentário de Carlos Jorge
Desde que a lei contra o fumador foi aprovada apareceu outro tipo de RACISMO"
"Comentário de Paulo
Meu amigo, o que é que a reclamação tem a ver com racismo? Então acha bem uma criança levar com o fumo do tabaco durante 90 minutos? Tenha juízo e respeito pelo próximo. Você precisa é de tratamento mental."
"Comentário de Sara costa
100% de acordo com a reclamação."
"Comentário de Tiago Mota
Sr. Carlos Costa, está equivocado. Não existe nenhuma lei contra o fumador. Existe uma lei que regula os locais onde se pode e não se pode fumar. O seu egoísmo é que o faz olhar apenas para o seu umbigo e não para quem está À sua volta."
"Comentário de Rute
Se tivessemos de fumar teríamos chaminé. Agora os fumadores têm a mania que são perseguidos. Pois é, andaram anos e anos mal habituados, sem respeitarem ninguém. Tratem-se. Portugal está a seguir o caminho mais justo, de protecção ao fumo passivo, tal como qualquer país civilizado e justo tem obrigação de fazer. Mas este exemplo demonstra que ainda não chegámos lá. Tal como os vários exemplos de cafés e bares que não respeitam a lei e nada lhes acontece. Aos fumadores indignados (que felizmente não são muitos) tenho um pedido a fazer- deixem de ser egoístas."
"Comentário de Paula
Se não é proibido fumar não pode reclamar! Tem de se aguentar! os fumadores tambem tem de se aguentar a ir fumar para a rua quando é proibido em locais fechados! Os não fumadores estão a ser pobre e mal agradecidos!"
Comento eu:
Em Portugal somos avessos à tolerância (em minha opinião, resquícios de um passado pouco democrático). Sócios de um clube, cultivamos um ódio violento pelos dos outros. Filiados num partido, dedicamos uma raiva sanguinária aos filiados nos restantes. Quando naturais de uma região, desenvolvemos contra os natos nas rivais rancores assassinos.
Bem vistas as coisas, o que nos move parece ser uma mesquinhez genética. Qualquer poder que nos seja atribuído é considerado oportunidade para abuso e determina, obrigatoriamente, a humilhação do próximo mais vulnerável. Daqui decorre uma incapacidade substancial para o exercício da cidadania, no entendimento mais evoluído.
Creio que a falha social fundamental é a do reconhecimento do Outro como igual. Somos, por princípio, avessos à contemporização. Os sintomas são quase infinitos e quotidianos: desrespeito das bichas de trânsito pelos espertos que se metem “à má fila”, assalto aos lugares da frente quando em qualquer serviço “abre” nova fila, pelas pessoas da retaguarda das bichas existentes sem qualquer respeito pela ordem de chegada, etc., etc., etc.
Acredito que, se a preocupação aqui em apreço fosse, de facto, o fumo passivo das crianças (ou mesmo o dos adultos), os interessados ter-se-iam, de imediato, dirigido amistosamente e com a maior das delicadezas ao fumador (legalmente, ele tem o direito de fumar ali) solicitando a sua colaboração para o problema, sugerindo uma troca de lugares, etc. Isto é: teriam partido do princípio de que ele teria (como, de facto, tem) tanto direito a fumar um charuto a acompanhar o futebol (coisa que obviamente lhe dá prazer) como eles o de não serem incomodados pelo facto. Nessa base buscariam, muito provavelmente, uma solução para a questão.
Aquilo de que, com toda a franqueza, suspeito, é que o que se pretendeu tenha sido aproveitar a actual receptividade a um fundamentalismo (antitabágico) importado dos USA, agora muito em “alta” na Europa cada vez mais imitadora dos extremismos americanos, para o exercício do poder que as leis actuais reconhecem, muito para além dos limites da sua letra, abusando de um clima hostil sobre os que fumam.
Há em Portugal (e creio que noutros países semelhantes) uma deriva para a crueldade. Uma espécie de institucionalização da arrogância. Uma legitimação da desumanidade. Sempre escudadas em pretensas exigências de excelência.
Esclareço que há mais de 8 anos que não fumo e que o fumo, actualmente, me incomoda. Até no cheiro que se infiltra na roupa.
quinta-feira, março 06, 2008
A propósito dos comentários (desiderato matinal)
Escrever é como compor, como pintar, dançar, esculpir.
É uma pulsão incontornável, uma urgência em comunicar,
Encontrar gente, ser gente, sentir,
Partilhadamente.
Aqui é, também, humildemente,
O sítio de aprender
A verdadeira liberdade,
Somar à ciência do erudito
A sabedoria da ignorância,
Buscar o lugar geométrico
Da tolerância
terça-feira, janeiro 15, 2008
As flores I
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Estou sentado à mesa da sala, virado para a janela grande. À minha direita está, como sempre, a jarra. Desde sábado, uma braçada de rosas-chá marca o espaço.
Nunca consegui explicar porque é que as flores me fazem uma companhia tão fundamental. Numa introspecção superficial emerge, apaziguadora, a sensação de beleza. Subliminar a todo o meu “estar”. Este “estar” que, destituído desta presença cai, com demasiada naturalidade, na instabilidade e na melancolia. Quando, em maré de reflexão, me alheio dela (seja porque não as haja – o que é raro – seja por não as ver), é quase certo que me invade a nostalgia.
Volto-me então para a janela das traseiras que o sol não alcança. Mergulho naquela solidão absoluta que faz do silêncio o primeiro plano da realidade e da meditação essa serena viagem aos confins da alma. Como se o mundo se calasse e nos deixasse a sós com o nosso destino…
As flores são os antípodas disto. Ficam a sul. À luz forte do meio-dia. Restauram, com a serenidade das certezas, a alegria do viver. Filosoficamente estabelecem a precariedade definitiva da existência. Paradigma da dignidade da beleza perante a evidência de um desaparecimento tão próximo como inevitável…
Nunca consegui explicar porque é que as flores me fazem uma companhia tão fundamental. Numa introspecção superficial emerge, apaziguadora, a sensação de beleza. Subliminar a todo o meu “estar”. Este “estar” que, destituído desta presença cai, com demasiada naturalidade, na instabilidade e na melancolia. Quando, em maré de reflexão, me alheio dela (seja porque não as haja – o que é raro – seja por não as ver), é quase certo que me invade a nostalgia.
Volto-me então para a janela das traseiras que o sol não alcança. Mergulho naquela solidão absoluta que faz do silêncio o primeiro plano da realidade e da meditação essa serena viagem aos confins da alma. Como se o mundo se calasse e nos deixasse a sós com o nosso destino…
As flores são os antípodas disto. Ficam a sul. À luz forte do meio-dia. Restauram, com a serenidade das certezas, a alegria do viver. Filosoficamente estabelecem a precariedade definitiva da existência. Paradigma da dignidade da beleza perante a evidência de um desaparecimento tão próximo como inevitável…
Info-inabilidade
Quando retomei o “pensorápido” quase tudo o que autodidacticamente tinha aprendido com ele se me varrera. Ainda para mais, o modelo tinha, entretanto, sido alterado. Automaticamente apareciam alterações e actualizações que implicavam decisões assustadoras. Naveguei como pude e pareceu-me que tinha conseguido manter o essencial da imagem a que o associo. Subitamente o texto toma uma cor inesperada e ilegível que (há males que vêem por bem) desencadeia mais comentários que nunca na gente da minha geração (presumo) muito dependente da ajuda óptica…
Curiosamente verifico que o verde do fundo não agrada. De imediato não consigo prescindir dele. Mas prometo que vou ponderar. Há razões de(coração)… À laia de compensação e após um martírio de experimentação, consegui alterar a cor das letras dos textos das mensagens (é assim que agora se designam (e bem) os posts). Creio que está, pelo menos, legível.
Curiosamente verifico que o verde do fundo não agrada. De imediato não consigo prescindir dele. Mas prometo que vou ponderar. Há razões de(coração)… À laia de compensação e após um martírio de experimentação, consegui alterar a cor das letras dos textos das mensagens (é assim que agora se designam (e bem) os posts). Creio que está, pelo menos, legível.
sábado, janeiro 05, 2008
Este que aqui se vê, paralisado nesse tempo mágico que é o das fotografias, é Conrad Schumann, guarda-fronteira da RDA até brevíssimos instantes antes do disparo da câmara, neste 15 de Agosto de 1961. Dificilmente se percebe, mas a sua bota calca o arame farpado da barreira instalada dois dias antes sobre a linha, até então imaginária, que dividiu Berlim.
Sabe-se, porque o contou quem assistiu, que este jovem de dezanove anos andou todo o dia numa agitação tão evidente que chamou a atenção dos fotógrafos que por ali se mantinham. Um vai e vem nervoso até um ponto determinado da barreira onde baixava sistematicamente, em jeito pouco convincente de rectificação, a altura do arame farpado. No sítio exacto onde agora tem a bota.
Conrad está prestes a largar a arma, numa urgência de arrependido. Há dois dias que lhe queima a consciência. Quando ela tombar, no instante seguinte, terão caído por terra, também, as suas ilusões. O ideal cedeu ao real. A fé ao pragmatismo. Sabe, enfim, que escolheu o lado certo da vida.
Sabe-se, porque o contou quem assistiu, que este jovem de dezanove anos andou todo o dia numa agitação tão evidente que chamou a atenção dos fotógrafos que por ali se mantinham. Um vai e vem nervoso até um ponto determinado da barreira onde baixava sistematicamente, em jeito pouco convincente de rectificação, a altura do arame farpado. No sítio exacto onde agora tem a bota.
Conrad está prestes a largar a arma, numa urgência de arrependido. Há dois dias que lhe queima a consciência. Quando ela tombar, no instante seguinte, terão caído por terra, também, as suas ilusões. O ideal cedeu ao real. A fé ao pragmatismo. Sabe, enfim, que escolheu o lado certo da vida.
sábado, janeiro 27, 2007
O não, o sim e o talvez...
Seja porque os anos vão passando e a experiência se acumula inexoravelmente, seja porque a democracia me apanhou completamente formado, este espectáculo da eterna repetição inerente à vida democrática, não cessa de me espantar. Os três ou quatro actos eleitorais previstos, sucedem-se e os eleitores inventam piedosamente, de cada vez, um pretexto novo, que lhes alimente a ilusão de uma possibilidade real de mudança.
E, agora, os referendos. Simulacros, roçando o patético, em que se mima a devolução da soberania ao povo. Episódios de um obscurantismo tolerado a pretexto da equidade do sistema e, valha a verdade, dessa ancestral hipocrisia política a que poderemos chamar o complexo de Pilatos. Os mesmos políticos que se pretendem incapazes de entender aquilo que o cidadão vulgar já percebeu há muito, ou seja, que a mãe de todas as prioridades é a formação básica para a cidadania (a ministrar de preferência com o primeiro leite materno), multiplicam actos de contrição em que clamam a fé inquebrantável no discernimento popular e nas virtudes da democracia, como se isso fosse inato na espécie humana e os dispensasse dos investimentos correspondentes.
E é um estendal de actos de fé e procissões em favor de um direito à vida que todos sabem não estar em causa. Vociferam uns para assegurar a surdez a que a exclusividade do argumento obriga, e os outros calam razões, temerosos da respectiva complexidade argumentativa e das intolerâncias primárias que por aí abundam.
Contudo, não deixa de ser extraordinário verificar que, tanto inquérito, tanta projecção e estudo sociológico depois, nunca se tenha tentado estabelecer relação entre quem defende o não e quem, por exemplo, sustentou a legitimidade da invasão do Iraque ou apoia a pena de morte (ou, nos países que a aboliram, sustenta aqueles que a defendem nos países em que ainda se aplica) …
“O Sexo e a Cidália” crónica serena, bem-humorada e iconoclasta do DN sintetiza exemplarmente a questão em referendo: trata-se tão-somente de decidir sobre a maturidade dos cidadãos para determinar a IVG. Quem a admite será pelo sim. Pelo não será quem não reconhece tal discernimento ao cidadão.
Não deixa de ser curioso que a questão seja posta a referendo…
Eu já decidi: TALVEZ. Sou, de facto, por esse talvez que é a soma de dois sins: SIM incondicional pelo direito à vida em todas as circunstâncias sem excepção (pena de morte, guerra, doença) e SIM irrestrito pela responsabilização do cidadão (aborto, eutanásia, suicídio). A vida é apenas um direito, não uma obrigação.
E, agora, os referendos. Simulacros, roçando o patético, em que se mima a devolução da soberania ao povo. Episódios de um obscurantismo tolerado a pretexto da equidade do sistema e, valha a verdade, dessa ancestral hipocrisia política a que poderemos chamar o complexo de Pilatos. Os mesmos políticos que se pretendem incapazes de entender aquilo que o cidadão vulgar já percebeu há muito, ou seja, que a mãe de todas as prioridades é a formação básica para a cidadania (a ministrar de preferência com o primeiro leite materno), multiplicam actos de contrição em que clamam a fé inquebrantável no discernimento popular e nas virtudes da democracia, como se isso fosse inato na espécie humana e os dispensasse dos investimentos correspondentes.
E é um estendal de actos de fé e procissões em favor de um direito à vida que todos sabem não estar em causa. Vociferam uns para assegurar a surdez a que a exclusividade do argumento obriga, e os outros calam razões, temerosos da respectiva complexidade argumentativa e das intolerâncias primárias que por aí abundam.
Contudo, não deixa de ser extraordinário verificar que, tanto inquérito, tanta projecção e estudo sociológico depois, nunca se tenha tentado estabelecer relação entre quem defende o não e quem, por exemplo, sustentou a legitimidade da invasão do Iraque ou apoia a pena de morte (ou, nos países que a aboliram, sustenta aqueles que a defendem nos países em que ainda se aplica) …
“O Sexo e a Cidália” crónica serena, bem-humorada e iconoclasta do DN sintetiza exemplarmente a questão em referendo: trata-se tão-somente de decidir sobre a maturidade dos cidadãos para determinar a IVG. Quem a admite será pelo sim. Pelo não será quem não reconhece tal discernimento ao cidadão.
Não deixa de ser curioso que a questão seja posta a referendo…
Eu já decidi: TALVEZ. Sou, de facto, por esse talvez que é a soma de dois sins: SIM incondicional pelo direito à vida em todas as circunstâncias sem excepção (pena de morte, guerra, doença) e SIM irrestrito pela responsabilização do cidadão (aborto, eutanásia, suicídio). A vida é apenas um direito, não uma obrigação.
sábado, dezembro 02, 2006
O arquitecto e a cidade velha
"Aquela cruz ali é sinal da descoberta de Cabo Verde. De outro é o sinal de Cristo, porque também o cristão é que tinha mandado a descobrir Cabo Verde e, de outro também é o sinal de escudos, de que também há dinheiro. Com os cordões então forma-se o manuelino. Portanto nós dizemos ali capela gótica, estilo manuelino. Também dizemos ali também capela ogiva, capela liteira, mais conhecido agora pelo manuelino."
Definição de D. Rosalinda, num filme sobre o trabalho de Siza Vieira realizado em Cabo Verde pela Catarina Alves Costa e que se chama “O Arquitecto e a cidade Velha”.
terça-feira, novembro 14, 2006
Ceasefire Campaign: Stop the War
Um reencaminhamento amigo alertou-me para os termos desta campanha.
Não assinei nem enviei. Temo que precipitações como esta sejam demasiado penosas para o povo iraquiano. Bem sei que não é esse o objectivo da petição. Há, contudo, que responsabilizar os americanos. Não basta definir o “cessar fogo” como objectivo. Analisado com um mínimo de lucidez, o documento transpira ambiguidades:
Chama à guerra do Iraque “guerra do presidente Bush”. Convém não esquecer que quem votou em Bush sabia que votava na guerra do Iraque. E se no primeiro mandato a diferença foi anedótica no segundo foi autoritária…
Pretende ser pelo cessar fogo mas só fala em retirada.
Creio que há uma América irresponsável que gosta da arrogância mas foge de responsabilidades. À semelhança das novas gerações. A mesma que apoiou Bush contra a Europa sabendo que o elegia para invadir o Iraque, para apear uma ditadura que tinha imposto. A mesma América que, perante a evidência da tragédia tão lucidamente prevista então, se dispõe agora, a abandonar o mesmíssimo Iraque a um destino catastrófico, pouco ou nada preocupada com o desastre humanitário que desencadeou.
Portanto penso que não. Não Apoio.
Quem vota são as mesmas pessoas. E, por mais secreto que tenha de ser o voto, há evidências incontornáveis. Esta é, seguramente, uma delas. A mesma irresponsabilidade que validou a invasão e a sucessão de desmandos subsequente quer agora, acobertada pela legitimidade democrática que indiscutivelmente lhe é devida, justificar a impunidade da deserção. É isso que não apoio. Ninguém devolverá a vida às centenas de milhar de pessoas que a guerra vitimou. Mas qualquer iniciativa visando a retirada terá, em meu entender, de explicitar detalhadamente como assegurará previamente a reorganização do Iraque que invadiu. Isto implica,naturalmente, a intauração de uma sociedade democrática, em paz e equilíbrio. Ao povo iraquiano não agrada preferencialmente morrer às mãos de extremistas em regime democrático. Nem a legitimidade reclamada por americanos e ingleses foi, alguma vez, a de democratizar o terror e a violência.
segunda-feira, novembro 06, 2006
A viagem em memória de Fernando Távora
Nelson Mota, primeiro prémio Fernando Távora, fez o que o mestre gostaria que fizessem em sua honra: uma bela e instrutiva viagem em volta da arquitectura.
"Viagem ao espaço doméstico e às cidades da burguesia no final do século XIX" é um relatório eficiente desse périplo. Coube-me a honra de ser agraciado com uma das poucas cópias compostas e impressas pelo autor para a sua apresentação pública.
Escolhi, para sinal, esta gravura feita em 1834 por um francês retratando o passeio de um funcionário do governo com a família (e os escravos) no "Brésil".
Segundo confidência do premiado estará assegurada a sua publicação (não restrita). Esperemos que com a brevidade que se impõe. Se assim for, fica aqui este modesto mas entusiasmado reconhecimento. Fernando Távora merece isto (e muito mais, claro): o prémio, o premiado e, sobretudo, a diligência de fazer bem feito.
Lá onde estivesse, se estivesse, ergueria o seu whisky e saudaria com a bonomia do seu sereníssimo sorriso…
"Viagem ao espaço doméstico e às cidades da burguesia no final do século XIX" é um relatório eficiente desse périplo. Coube-me a honra de ser agraciado com uma das poucas cópias compostas e impressas pelo autor para a sua apresentação pública.
Escolhi, para sinal, esta gravura feita em 1834 por um francês retratando o passeio de um funcionário do governo com a família (e os escravos) no "Brésil".
Segundo confidência do premiado estará assegurada a sua publicação (não restrita). Esperemos que com a brevidade que se impõe. Se assim for, fica aqui este modesto mas entusiasmado reconhecimento. Fernando Távora merece isto (e muito mais, claro): o prémio, o premiado e, sobretudo, a diligência de fazer bem feito.
Lá onde estivesse, se estivesse, ergueria o seu whisky e saudaria com a bonomia do seu sereníssimo sorriso…
sábado, novembro 04, 2006
Uma fénix ou o outono da primavera
Num país onde já quase não há bailado esta revisitação da coreografia de Nijinski roça o absurdo. Ai que saudades de Béjart!http://www.digischool.nl/ckv2/video/bejartsacre.wmv
quinta-feira, outubro 12, 2006
Antonio Jiménez Torrecillas, mais um maldito
Antonio Jiménez Torrecillas es profesor de proyectos en la Escuela de Arquitectura de Granada y ha sido profesor invitado en diferentes universidades. Su obra ha sido premiada en las cuatro ediciones convocadas para las Nominaciones de Arquitectura de Granada (1990-2005). En la actualidad, y en relación a intervenciones en contextos históricos, desarrolla el proyecto de intervención en las colinas del Albaicín y el Sacromonte, y en el campo de la museología, el Museo de Bellas Artes en el Palacio de Carlos V, también de Granada.
Lá como cá, pessoas que convivem sem inquietação com os maiores desmandos urbanos sobressaltam-se intempestivamente perante uma intervenção inteligente, sensível, escrupulosa. Por assumir a sua natural contemporaneidade, adivinha-se. Agravadamente por se tratar da descoberta de um elo consistente entre o passado e o presente, que é aquilo por que mais anseiam as cidades históricas...
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Antonio.Jiménez Torrecillas desenhou para Granada um troço da muralha Nazarí (no cerro de San Miguel) que desabara no século XIX em consequência de um episódio sísmico. Fê-lo com uma seriedade minuciosa e perspicaz. Propôs uma construção linear, paralela, exterior, em placas de granito sobrepostas imperfeitamente. Descontinuidades sábias formam orifícios sistemáticos que aligeiram de forma subtil a construção assegurando visibilidade a quem circule no seu interior. Quanto mais afastado está o observador maior a sensação de continuidade não mimética, mas perfeita. Quanto mais nos aproximamos mais difusa, mais translúcida, menos intransponível.
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Por isso as pessoas se indignam. O convívio intenso do presente com o passado é assustador. Como o é a contaminação entre culturas. E, nesta conformidade, a mesma entidade que promovera o projecto decidiu, perante as várias contestações a sua "desmontagem", eufemismo para demolição facilitado, curiosamente, pela funda correcção da atitude do arquitecto, preocupado em não comprometer o futuro. Decisão não concretizada. Ad aeternum, espera-se.
[PROJECTO APRESENTADO NA CONFERÊNCIA "SHARING ARCHITECTURE CULTURES ACROSS MAGHREB AND INDIA" ÉVORA 6-8OUT06]
terça-feira, outubro 10, 2006
Casa Sidarus, arquitectura de mestiçagem...
Iniciada em 1976, com a elaboração do projecto, a casa Sidarus constitui um quase paradigma da partilha de cultura arquitectónica proposta para esta conferência. Os proprietários, um casal constituído por uma portuguesa e um Egípcio evoluídos, regressados de experiências vividas no estrangeiro (Itália, França e Alemanha) após o 25 de Abril de 74, pretendiam construir em Évora habitação própria. Esta deveria, naturalmente, corresponder às suas expectativas de actualidade e, ainda, integrar elementos da cultura árabe presentes na tradição construtiva do Alentejo, consubstanciando, deste modo, o essencial do legado presente na actividade de Adel Sidarus, então professor de cultura árabe nesta universidade.
[RESUMO DA INTERVENÇÃO NA CONFERÊNCIA "SHARING ARCHITECTURE CULTURES ACROSS MAGHREB AND INDIA" ÉVORA 6-8OUT06]
Initiated in 1976 with the elaboration of the project, the Sidarus house almost constitutes a paradigm of “sharing architecture cultures” which is the proposed theme of this conference. The owners, an educated couple of Portuguese wife and Egyptian husband, having lived for several years abroad (Italy, France and Germany), came to live in Portugal after the 25th of April 74 and intended to build in Évora a home of their own. This one should, of course, correspond to their expectations of actuality and, still, integrate elements of the Arab culture present in the building tradition of Alentejo, thus giving substance to the essential of the legacy which is present in Adel Sidarus’s activity, who was at that time professor of Arab culture in this university.
[SUMMARY OF THE PAPER PRESENTED AT "SHARING ARCHITECTURE CULTURES ACROSS MAGHREB AND INDIA" ÉVORA 6-8OUT06]
segunda-feira, outubro 09, 2006
O vidrinho e a elefanta
Não apago nada, por enquanto. Quando acontecerem coisas que me mereçam censura, censurá-las-ei com a mesma serena convicção com que faço tudo menos fretes. Como digo no blogue, sou apóstata e, em consequência, perdi o derradeiro refúgio - deus. Blogo porque existo e quero fazê-lo no plural.
Não sou nenhuma instituição nem democrática nem caritativa. Mas aprecio a crítica, a mordacidade (não confundir com “amordacidade”), a inteligência e mais uma quantidade de coisas que seria ocioso pretender enumerar. A intenção foi e é ter Gente a participar comigo nesta aventura contemporânea que é este imenso jornal global. Discutir é-me tão fundamental como respirar. Toda a vida o fiz e quero continuar.
Sou é pouco versado na técnica necessária,.Tão pouco que já lancei um apelo no blogue a mendigar ajuda. O que vêem é o resultado calamitoso de uma brutal teimosia. Confesso que estranhei a falta de comentários. Não tenho amigos amorfos e estamos habituados a esgrimir opiniões. Uma mensagem de uma amiga indecisa entre mágoa e fleuma:
“coloquei um comment no teu blog, mas apagaste...censurado??? sem sentido de
humor? ou persistindo no totalitarismo que te caracteriza, mascarado por uma
tolerância que não convence, e uma raivazinha contida de quem está deveras
enfartado clinica e humanamente?
estava a brincar contigo sobre o blog. aliás gostei da estética, não tive
tempo para ver a prosa, mas nisso sou deveras exigente, e como tu és um
vidrinho...”
decidiu-me. Fui investigar e…
De facto! Parece-me que estava mal configurado. Aceitei as opções originais e creio que apenas os autores (eu) poderiam comentar (o que me situa abaixo do nível democrático de Mussolini). Enfim, já seleccionei a opção correspondente a “toda a gente”. Portanto minhas línguas de prata toca a comentar (e, se não funcionar façam como esta amiga, e-mailem-me insultos carregados de mimo) .
Não sou nenhuma instituição nem democrática nem caritativa. Mas aprecio a crítica, a mordacidade (não confundir com “amordacidade”), a inteligência e mais uma quantidade de coisas que seria ocioso pretender enumerar. A intenção foi e é ter Gente a participar comigo nesta aventura contemporânea que é este imenso jornal global. Discutir é-me tão fundamental como respirar. Toda a vida o fiz e quero continuar.
Sou é pouco versado na técnica necessária,.Tão pouco que já lancei um apelo no blogue a mendigar ajuda. O que vêem é o resultado calamitoso de uma brutal teimosia. Confesso que estranhei a falta de comentários. Não tenho amigos amorfos e estamos habituados a esgrimir opiniões. Uma mensagem de uma amiga indecisa entre mágoa e fleuma:
“coloquei um comment no teu blog, mas apagaste...censurado??? sem sentido de
humor? ou persistindo no totalitarismo que te caracteriza, mascarado por uma
tolerância que não convence, e uma raivazinha contida de quem está deveras
enfartado clinica e humanamente?
estava a brincar contigo sobre o blog. aliás gostei da estética, não tive
tempo para ver a prosa, mas nisso sou deveras exigente, e como tu és um
vidrinho...”
decidiu-me. Fui investigar e…
De facto! Parece-me que estava mal configurado. Aceitei as opções originais e creio que apenas os autores (eu) poderiam comentar (o que me situa abaixo do nível democrático de Mussolini). Enfim, já seleccionei a opção correspondente a “toda a gente”. Portanto minhas línguas de prata toca a comentar (e, se não funcionar façam como esta amiga, e-mailem-me insultos carregados de mimo) .
terça-feira, outubro 03, 2006
segunda-feira, outubro 02, 2006
A águia admirada
Exageros! [a propósito do Loose Change]
Confesso que estranho a insistência quase paranóica de JPP sobre a passagem na RTP e em horário nobre do Loose Change. Concordo basicamente com toda a sua argumentação. Mas a intransigente, obsessiva e exaustiva repetição do tema, afigura-se-me injustificada.
Oportunismo, incompetência, desleixo e mesmo uma pontinha de sensacionalismo são o pão-nosso de cada dia, no actual universo televisivo. Mas, que diabos, a Rtp está longe de acoitar um anti americanismo primário!
A uma estatura intelectual como a de Pacheco Pereira, calharia melhor um distanciamento crítico mais próximo da busca da imparcialidade possível. Sobretudo por ser tão assumida e cristalinamente pública a sua inclinação americana.
E, já agora, por envolver circunstâncias em que, como sempre, aliás, os eternos conspirativos se limitam a multiplicar e desproporcionar aspectos realmente pouco plausíveis dos factos em causa.
Suponho que a inteligência de JPP também se intrigue com a estranha inconsistência das marcas (ou da falta delas) na fachada do pentágono, no local adjacente ao ponto do impacto e que deveriam corresponder ao embate das asas da enorme aeronave.
Um Boeing 757 tem 38 metros de envergadura! Mesmo algo distantes dos 47 metros dos 767 utilizados no WTC, a velocidades presumivelmente semelhantes, estes deceparam, perante os nossos olhos horrorizados, os espessos e numerosos pilares de aço das torres gémeas como se fossem manteiga, ao passo que, aquele, nem os caixilhos das janelas em que teria de ter batido quebrou…
Isto e mais o relvado incólume e o número e dimensões dos destroços e tantas outras inegáveis interrogações permitem distinguir o ataque ao pentágono dos outros atentados desse dia.
E se outras tantas perplexidades resultam da admissão destas hipóteses, [que aconteceu ao 757 do voo 77, passageiros e etc.] isso só por si não deve, não pode impedir-nos de exigir explicações mais convincentes. Nem a ameaça de anti americanismo básico constitui mordaça de dignidade aceitável.
Oportunismo, incompetência, desleixo e mesmo uma pontinha de sensacionalismo são o pão-nosso de cada dia, no actual universo televisivo. Mas, que diabos, a Rtp está longe de acoitar um anti americanismo primário!
A uma estatura intelectual como a de Pacheco Pereira, calharia melhor um distanciamento crítico mais próximo da busca da imparcialidade possível. Sobretudo por ser tão assumida e cristalinamente pública a sua inclinação americana.
E, já agora, por envolver circunstâncias em que, como sempre, aliás, os eternos conspirativos se limitam a multiplicar e desproporcionar aspectos realmente pouco plausíveis dos factos em causa.
Suponho que a inteligência de JPP também se intrigue com a estranha inconsistência das marcas (ou da falta delas) na fachada do pentágono, no local adjacente ao ponto do impacto e que deveriam corresponder ao embate das asas da enorme aeronave.
Um Boeing 757 tem 38 metros de envergadura! Mesmo algo distantes dos 47 metros dos 767 utilizados no WTC, a velocidades presumivelmente semelhantes, estes deceparam, perante os nossos olhos horrorizados, os espessos e numerosos pilares de aço das torres gémeas como se fossem manteiga, ao passo que, aquele, nem os caixilhos das janelas em que teria de ter batido quebrou…
Isto e mais o relvado incólume e o número e dimensões dos destroços e tantas outras inegáveis interrogações permitem distinguir o ataque ao pentágono dos outros atentados desse dia.
E se outras tantas perplexidades resultam da admissão destas hipóteses, [que aconteceu ao 757 do voo 77, passageiros e etc.] isso só por si não deve, não pode impedir-nos de exigir explicações mais convincentes. Nem a ameaça de anti americanismo básico constitui mordaça de dignidade aceitável.
segunda-feira, setembro 25, 2006
Novo apelo lancinante
Bloguer autodidacta encalhado, à beira de um ataque de nervos depois de um domingo malbaratado a tentar melhorar o seu blogue (especialmente o cabeçalho), convoca a piedade de um verdadeiro entendido que faça a esmola de o esclarecer sobre esse e outros mistérios mais insondáveis que o da santíssima trindade!
sábado, setembro 23, 2006
Evocar o mestre
Agora que um ano (lectivo) nasce de outro (civil) que acaba, é tempo, outra vez, de falar de Fernando Távora.
Da serena bonomia com que vivia, trabalhava, ensinava.
Da inteligência, da cultura, da afabilidade.
Do humor, da arquitectura, da circunstância.
Do ensino, do desenho, da delicadeza.
Da saudade
Da serena bonomia com que vivia, trabalhava, ensinava.
Da inteligência, da cultura, da afabilidade.
Do humor, da arquitectura, da circunstância.
Do ensino, do desenho, da delicadeza.
Da saudade
A águia deprimida
Mais sintomático de má-formação [má-educação?] do que não saber perder só não saber ganhar. À falta de respeito pelo outro junta-se a incapacidade de lhe reconhecer mérito, de resistir à contrariedade e de compreender a realidade quando nos é desfavorável (que é quando mais carecemos de a entender).
Gosto de futebol. Como ouvi dizer a António Lobo Antunes, não concebo que alguém possa não ser do Benfica. Mas, confesso que me entristece a auto-comiseração que emana do site benfiquista hoje. Até para um leigo (como eu) nessa ciência exacta que é a táctica do futebol, o que aconteceu ontem está longe de ser o cúmulo da injustiça. Que diabos, o cúmulo da injustiça é o caso Casa Pia. Ontem, um David matreiro resistiu (com 11, com 10) ao Golias presunçoso e indisciplinado até ao limite e, inteligentemente, quando verificou o seu previsível e acomodado esgotamento, refrescou-se, carregou e ganhou. Parabéns ao Paços de Ferreira e em especial ao seu treinador. Ao Benfica resta lamber sabiamente as feridas e procurar soluções eficazes…
Gosto de futebol. Como ouvi dizer a António Lobo Antunes, não concebo que alguém possa não ser do Benfica. Mas, confesso que me entristece a auto-comiseração que emana do site benfiquista hoje. Até para um leigo (como eu) nessa ciência exacta que é a táctica do futebol, o que aconteceu ontem está longe de ser o cúmulo da injustiça. Que diabos, o cúmulo da injustiça é o caso Casa Pia. Ontem, um David matreiro resistiu (com 11, com 10) ao Golias presunçoso e indisciplinado até ao limite e, inteligentemente, quando verificou o seu previsível e acomodado esgotamento, refrescou-se, carregou e ganhou. Parabéns ao Paços de Ferreira e em especial ao seu treinador. Ao Benfica resta lamber sabiamente as feridas e procurar soluções eficazes…
quinta-feira, setembro 21, 2006
Trocas e baldrocas
Há por aí alguém que me esclareça? (adoro estes apelos lançados no ciberespaço como se ele fosse a minha rua e eu chamasse da janela o filho p’ra janta!)
Afinal o governo propõe-se trocar as seringas ou introduzi-las nas prisões?
É que trocar pressupõe a existência prévia das ditas na posse dos reclusos e, nesta perspectiva, é absurdo argumentar que se teme a sua utilização como arma ou como agente de contágio…
Afinal o governo propõe-se trocar as seringas ou introduzi-las nas prisões?
É que trocar pressupõe a existência prévia das ditas na posse dos reclusos e, nesta perspectiva, é absurdo argumentar que se teme a sua utilização como arma ou como agente de contágio…
Há petróleo no Beato?
Acabo de ouvir o Pacheco Pereira (JPP) na "quadratura do círculo" sobre esta moda fundamentalista da indignação anti-ocidental violenta e insultuosa a pretexto de qualquer minudência. Não resisto à tentação de lhe exprimir o meu apoio tão condicional quanto possível (aliás em absoluta concordância com a sua intervenção).
Nesta questão vai sendo tempo de dizer que o rei vai nu. Não sou papista, nem religioso, nem anticlerical. Sou agnóstico por absoluta falta de fé. Li a lição do Papa e, não sendo tudo isto mas sendo professor encantou-me a sua luminosa arquitectura e a irresistível sedução do raciocínio.
Com um percurso de amadurecimento político semelhante ao de JPP (embora substancialmente menos contrastante, incomensuravelmente menos público e, por isso, também muito menos destemido), reconheço que concordo amiúde com as suas posturas éticas. Sou, portanto, um seu inconfesso admirador, que se queda, regra geral, pelos limites da esquerda e diverge com frequência e contrariedade das suas posições políticas. Arrelia-me a evidência de não encontrar no meu quadrante partidário ninguém com quem me identifique tanto. Todavia, delicia-me o privilégio democrático que esta contradição consubstancia e que se vem revelando tão insanável como pouco substancial…Para quem viveu o 25/4 aos 24 anos não é prazer despiciendo!
A verdade é que também sei (sabemos?) com quantos paus se fazem estas espontâneas manifestações de repúdio. Que absurdo é este de haver quem pretenda (como Jacques Chirac) que “precisamos evitar qualquer coisa que piore as tensões entre povos ou entre religiões”? Como é possível aceitar lições de tolerância vindas dos intolerantes mais empedernidos? Como podemos calar o nosso conhecimento do inferno que está por detrás daquilo? Não será óbvio o risco de acabarmos (os ocidentais) a prescindir voluntariamente do nosso modelo, esse cujas contradições tanto me deleitam? Qual a vantagem de simular acreditar na sinceridade de quem se indigna com a evocação da ilegitimidade da violência na disseminação da fé de Mohammed afirmando, em resposta: “que Deus nos permita degolá-los, e fazer do seu dinheiro e dos seus descendentes a recompensa dos mujahideen"?
Isto é para rir? Ou cheira a petróleo?
Nesta questão vai sendo tempo de dizer que o rei vai nu. Não sou papista, nem religioso, nem anticlerical. Sou agnóstico por absoluta falta de fé. Li a lição do Papa e, não sendo tudo isto mas sendo professor encantou-me a sua luminosa arquitectura e a irresistível sedução do raciocínio.
Com um percurso de amadurecimento político semelhante ao de JPP (embora substancialmente menos contrastante, incomensuravelmente menos público e, por isso, também muito menos destemido), reconheço que concordo amiúde com as suas posturas éticas. Sou, portanto, um seu inconfesso admirador, que se queda, regra geral, pelos limites da esquerda e diverge com frequência e contrariedade das suas posições políticas. Arrelia-me a evidência de não encontrar no meu quadrante partidário ninguém com quem me identifique tanto. Todavia, delicia-me o privilégio democrático que esta contradição consubstancia e que se vem revelando tão insanável como pouco substancial…Para quem viveu o 25/4 aos 24 anos não é prazer despiciendo!
A verdade é que também sei (sabemos?) com quantos paus se fazem estas espontâneas manifestações de repúdio. Que absurdo é este de haver quem pretenda (como Jacques Chirac) que “precisamos evitar qualquer coisa que piore as tensões entre povos ou entre religiões”? Como é possível aceitar lições de tolerância vindas dos intolerantes mais empedernidos? Como podemos calar o nosso conhecimento do inferno que está por detrás daquilo? Não será óbvio o risco de acabarmos (os ocidentais) a prescindir voluntariamente do nosso modelo, esse cujas contradições tanto me deleitam? Qual a vantagem de simular acreditar na sinceridade de quem se indigna com a evocação da ilegitimidade da violência na disseminação da fé de Mohammed afirmando, em resposta: “que Deus nos permita degolá-los, e fazer do seu dinheiro e dos seus descendentes a recompensa dos mujahideen"?
Isto é para rir? Ou cheira a petróleo?
quarta-feira, setembro 20, 2006
terça-feira, setembro 19, 2006
Ferenc Gyurcsany para primeiro ministro, já!
Este homem é um espectáculo!
Um político único.
Confessa-se aldrabão, mentiroso, cretino e pantomineiro (como se diz no Alentejo).
E é um poço de ternura. Acarinha intensamente o desporto olímpico…
Apanhado com a boca na botija (no trombone?) destemidamente confirma. Este exemplar faz-nos falta (à colecção)
segunda-feira, setembro 18, 2006
"Ponham lá aí um cartaz a dizer que eu sou muito estúpido", diz JPP no Abrupto, hoje. A propósito do Loose Change nonsense.
M'espanto e m'avergonho cada vez mais. Vejo cabeças respeitáveis vacilarem com uma serenidade arrepiante perante a mais evidente falta de senso. Aflige-me sobretudo o ponderado acolhimento dado às reacções fundamentalistas à intervenção papal (eu que não gosto nada de Bento 16!). Disse o Conselho Mujahideen Shura na Internet:
"Quebraremos a cruz e derramaremos o vinho... Deus vai ajudar os muçulmanos a conquistar Roma... Que Deus nos permita degolá-los, e fazer de seu dinheiro e de seus descendentes a recompensa dos mujahideen".
E Jacques Chirac: "precisamos evitar qualquer coisa que piore as tensões entre povos ou entre religiões". Porquê só nós? Afinal não é só o fanatismo político anti-americano que leva à deterioração do pensamento. O que prova, em definitivo que ela (a deterioração do pensamento, claro) é contagiosa. Tanto para as mentes simples como para as sofisticadas...
domingo, setembro 17, 2006
Voltar a Almodovar...
quinta-feira, setembro 14, 2006
O Anjo do Apocalipse
Na linha exacta definida por duas fachadas absolutamente iguais iluminadas diferentemente, em penumbra doce uma, outra irradiando claridade suave, está um homem. Parece suspenso. Tranquilo. Uma perna está dobrada sobre a outra, também um pouco flectida. Parece repousar, finalmente. Em postura insólita: de cabeça para baixo. Num contexto estranho: sem apoio perceptível. As pregas e a conformação das roupas contribuem para reforçar esta impressão de inverosimilhança, apenas desmentida pelo alívio, a distensão, que a imagem comunica. Este homem, talvez negro de pele clara, aparentemente alto e jovem, envergando um casaco de verão e umas calças negras e justas, que assim descansa em tão sereno abandono, ocupa uma posição central, ligeiramente elevada, na fotografia. À sua volta, na página da revista, outras fotografias de tons idênticos relatam, com uma gravidade muda, a tragédia. Escrita com nódoas de fumo sujo sobre o céu azul de fim de verão. Manchada por cascatas de poeira parda. Na cidade de Nova Iorque. Em 11 de Setembro de 2001.
Na linha exacta definida por duas fachadas absolutamente iguais iluminadas diferentemente, em penumbra doce uma, outra irradiando claridade suave, está um homem. Parece suspenso. Tranquilo. Uma perna está dobrada sobre a outra, também um pouco flectida. Parece repousar, finalmente. Em postura insólita: de cabeça para baixo. Num contexto estranho: sem apoio perceptível. As pregas e a conformação das roupas contribuem para reforçar esta impressão de inverosimilhança, apenas desmentida pelo alívio, a distensão, que a imagem comunica. Este homem, talvez negro de pele clara, aparentemente alto e jovem, envergando um casaco de verão e umas calças negras e justas, que assim descansa em tão sereno abandono, ocupa uma posição central, ligeiramente elevada, na fotografia. À sua volta, na página da revista, outras fotografias de tons idênticos relatam, com uma gravidade muda, a tragédia. Escrita com nódoas de fumo sujo sobre o céu azul de fim de verão. Manchada por cascatas de poeira parda. Na cidade de Nova Iorque. Em 11 de Setembro de 2001.
Este homem cai, afinal.
Atravessa o espaço, apaziguado, por fim. Enquanto o faz repara nas pessoas que procuram, no limiar dos pisos que vai atravessando, escapar ao calor sufocante do incêndio. Sorri, um sorriso fatalista, perante a evidência do medo de caírem, denunciada pelos seus esgares apavorados. Liberto que vai, agora, desse inferno, desce vertiginosamente. Como se subisse. Ao céu. No seu caso, à terra. Porque, percebeu-o neste instante, o céu de cada um é só a metáfora para o fim do sofrimento. Ou para o início da tranquilidade definitiva.
Tudo agora aparenta ser o oposto do que tem sido. Não por lhe aparecer invertido, dada a sua posição. Mas por, subitamente, se lhe afigurar que assim é que tudo é. O mundo que abandona sem sobressalto tem, afinal, ainda esta perspectiva. Liberto dos constrangimentos de um quotidiano que agora se afigura grotesco, este homem dirige-se, sereno, para o fim de uma vida que começou há momentos. No instante exacto em que decidiu saltar. E estes segundos escassos, o exíguo tempo que lhe resta, assumem, de súbito, a dimensão da eternidade. Por tudo, finalmente, se resumir ao essencial. Aliviado de toda a descrença, sente-se invadir por uma mansa sensação de fé. A monstruosidade do absurdo que lhe vai custar a vida quando encontrar o chão, é afinal apenas causa próxima, encadeada em inúmeras outras, mais remotas. Formula assim, ponderadamente, a convicção que vale por uma redenção e lhe justifica o sorriso plácido que traz nos lábios: de que a desmedida desta tragédia mobilize os seus semelhantes para a grande viragem, emprestando afinal algum sentido ao cruel sacrifício.
Atravessa o espaço, apaziguado, por fim. Enquanto o faz repara nas pessoas que procuram, no limiar dos pisos que vai atravessando, escapar ao calor sufocante do incêndio. Sorri, um sorriso fatalista, perante a evidência do medo de caírem, denunciada pelos seus esgares apavorados. Liberto que vai, agora, desse inferno, desce vertiginosamente. Como se subisse. Ao céu. No seu caso, à terra. Porque, percebeu-o neste instante, o céu de cada um é só a metáfora para o fim do sofrimento. Ou para o início da tranquilidade definitiva.
Tudo agora aparenta ser o oposto do que tem sido. Não por lhe aparecer invertido, dada a sua posição. Mas por, subitamente, se lhe afigurar que assim é que tudo é. O mundo que abandona sem sobressalto tem, afinal, ainda esta perspectiva. Liberto dos constrangimentos de um quotidiano que agora se afigura grotesco, este homem dirige-se, sereno, para o fim de uma vida que começou há momentos. No instante exacto em que decidiu saltar. E estes segundos escassos, o exíguo tempo que lhe resta, assumem, de súbito, a dimensão da eternidade. Por tudo, finalmente, se resumir ao essencial. Aliviado de toda a descrença, sente-se invadir por uma mansa sensação de fé. A monstruosidade do absurdo que lhe vai custar a vida quando encontrar o chão, é afinal apenas causa próxima, encadeada em inúmeras outras, mais remotas. Formula assim, ponderadamente, a convicção que vale por uma redenção e lhe justifica o sorriso plácido que traz nos lábios: de que a desmedida desta tragédia mobilize os seus semelhantes para a grande viragem, emprestando afinal algum sentido ao cruel sacrifício.
Não há humilhação. Sequer. Por não poder haver outro sujeito para este insulto senão a humanidade. E, este ser um substantivo excessivamente colectivo para servir de agente a acção tão abjecta. Não há possibilidade de retaliação. Nada poderá lavar esta infâmia. Nem outra ignomínia semelhante. Seremos todos culpados, sem dúvida. E vítimas, seremos, também. Todos. Mas teremos ainda de aceitar ser cúmplices? Da retórica, da desinteligência, do oportunismo, enfim, com que nos vendem a banha da cobra com que curarão agora, definitivamente, todas as feridas que antes abriram e nunca lograram aliviar? Ou iniciaremos a grande viragem? Com extenso debate sobre as verdadeiras estratégias que urge desenhar para um futuro menos irracional que aquele que este presente prepara. Por não poder ser outro o significado d' "a grande viragem", evocação tão dramaticamente atribuída àquele homem, aqui descrito e a quem chamaremos, doravante, o anjo do apocalipse. Porque de apocalipse se trata, não haja ilusões. E esta criatura consubstancia, no desiderato que lhe atribuímos, toda a esperança de todos os homens. Como a sua ascensão inversa simboliza a fé. E ao conjunto chamaremos anjo ou seja a anunciação. A que todos hão de ter direito, crentes e incréus.
Quando a dor ainda magoa.
Com o cheiro dos cadáveres a empestar o ar de Manhattan.
Antes que o veneno bélico nos tolha a inteligência.
Enquanto somos capazes de resistir à estupidez.
Para sermos dignos dos nossos mortos.
João Nasi Pereira
Quando a dor ainda magoa.
Com o cheiro dos cadáveres a empestar o ar de Manhattan.
Antes que o veneno bélico nos tolha a inteligência.
Enquanto somos capazes de resistir à estupidez.
Para sermos dignos dos nossos mortos.
João Nasi Pereira
terça-feira, fevereiro 22, 2005
domingo, fevereiro 20, 2005
a propósito
[...]
Pertenço a um género de portugueses
Que depois de estar a Índia descoberta
Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
Tenho pensado nisto muitas vezes.
[...]
Álvaro de Campos, OPIÁRIO
Pertenço a um género de portugueses
Que depois de estar a Índia descoberta
Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
Tenho pensado nisto muitas vezes.
[...]
Álvaro de Campos, OPIÁRIO
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