quinta-feira, setembro 14, 2006

Este homem cai, afinal.
Atravessa o espaço, apaziguado, por fim. Enquanto o faz repara nas pessoas que procuram, no limiar dos pisos que vai atravessando, escapar ao calor sufocante do incêndio. Sorri, um sorriso fatalista, perante a evidência do medo de caírem, denunciada pelos seus esgares apavorados. Liberto que vai, agora, desse inferno, desce vertiginosamente. Como se subisse. Ao céu. No seu caso, à terra. Porque, percebeu-o neste instante, o céu de cada um é só a metáfora para o fim do sofrimento. Ou para o início da tranquilidade definitiva.

Tudo agora aparenta ser o oposto do que tem sido. Não por lhe aparecer invertido, dada a sua posição. Mas por, subitamente, se lhe afigurar que assim é que tudo é. O mundo que abandona sem sobressalto tem, afinal, ainda esta perspectiva. Liberto dos constrangimentos de um quotidiano que agora se afigura grotesco, este homem dirige-se, sereno, para o fim de uma vida que começou há momentos. No instante exacto em que decidiu saltar. E estes segundos escassos, o exíguo tempo que lhe resta, assumem, de súbito, a dimensão da eternidade. Por tudo, finalmente, se resumir ao essencial. Aliviado de toda a descrença, sente-se invadir por uma mansa sensação de fé. A monstruosidade do absurdo que lhe vai custar a vida quando encontrar o chão, é afinal apenas causa próxima, encadeada em inúmeras outras, mais remotas. Formula assim, ponderadamente, a convicção que vale por uma redenção e lhe justifica o sorriso plácido que traz nos lábios: de que a desmedida desta tragédia mobilize os seus semelhantes para a grande viragem, emprestando afinal algum sentido ao cruel sacrifício.

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